Texto escrito por Julia Bastos que, infelizmente, removeu seu blog do ar.
Eu tinha 15 anos e ele tinha 28. Eu tinha saído da igreja há poucos meses. Gostava de literatura francesa e de conversar sobre movimentos sociais. Ele era formado. Formado em Letras, professor de literatura e francês. Tudo que ele falava me encantava. Ele disse que queria sair comigo porque me achava madura para minha idade. Eu achava demais: era como se ficar com ele fosse um prêmio por minha inteligência, por eu me destacar das “garotas comuns”. Não conseguia perceber que o amadurecimento do qual ele estava falando era uma marcação dos corpos: ele queria dizer que meu corpo era adulto o suficiente para ele me foder sem culpa.
Eu sei que ler isso talvez vá te chocar. Talvez você esteja passando por essa situação. Um professor do seu colegial ou cursinho, o irmão mais velho de alguma amiga, um desses caras de bandas que parecem interessantíssimos e super desejados está te paquerando. Ele disse que você é diferente. Que você é inteligente. Que você não parece ter a idade que tem. Ele te faz sentir-se madura, adulta. Você chega a acreditar que é realmente isso tudo que ele diz: uma garota fora do comum. Depois, talvez — não sei se eles ainda fazem isso — ele emula algum tipo de culpa, como: oh, mas isso pode dar problema, você é menor de idade. E você garante que não. Você promete pra ele que não vai contar pra ninguém, que seus pais não vão descobrir, que você sabe o que está fazendo. Minha querida, por favor, me ouça: você não sabe o que está fazendo. E talvez você demore alguns anos para descobrir. É certo que podemos aprender com nossos erros, que erros trazem experiências, mas algumas experiências ruins e abusivas, que podem parecer legais num primeiro instante, você pode evitar. Você não precisa comer merda pra saber que é ruim. Eu sei que possivelmente você não vá conversar com sua mãe ou seu pai sobre isso, então eu tenho a esperança de que talvez você ouça uma menina que passa pelas mesmas coisas que você.
Existe uma estratégia masculina muito comum que é tentar separar a nossa realidade da das outras mulheres, na nossa cabeça. Criar mecanismos que nos tornem rivais para que a gente não perceba o quanto nossas experiências são comuns — de umas às das outras — e o quanto somos parecidas em nossa socialização, em nosso crescimento e, principalmente, nas experiências que dizem respeito aos nossos corpos. Nos ensinam que as garotas não são legais, então quando nós somos “diferentes delas” isso se torna um elogio sem igual, que cria em nós um sentimento de destaque, de diferenciação; nós somos o floco de neve especial, é o que pensamos, é o que eles fazem a gente pensar.
E eles são demais. Eles são demais e só nos querem porque somos também demais. Uma menina tão madura assim não merece qualquer moleque. Ela merece UM HOMEM. Um homem de verdade, sabe? Um homem que tenha a mesma maturidade que você. Você ouviu dizer desde sempre que meninas amadurecem mais rápido. Então, para que não se sintam desconfortáveis em estar com um menino imaturo, a solução é estar com um cara mais velho. Assim vocês poderão ter conversas de igual pra igual. Olha, isso também é mentira. Meninos da sua idade não são imaturos, eles só falam coisas imbecis e que não tem nada a ver com a sua realidade enquanto mulher. É horrível, mas não é sobre “maturidade”. Muito possivelmente vocês tem a mesma “maturidade”, mas com a diferença de que meninas recebem muito mais responsabilidades nas costas do que meninos. O único motivo pelo qual esses caras mais velhos dizem que você é tão madura quanto eles é para que você não perceba que eles querem te comer exatamente porque você não é madura. A única maturidade que eles enxergam em você é a sexual. Isso faz parte de uma política da heterossexualidade: mulheres devem ficar com homens. E homens são maduros. Homens são inteligentes. Homens de verdade — não esses moleques imaturos!, tem experiência sexual o suficiente para que, é claro, não queiram nos comer só para se gabarem por aí pelo cabaço perdido.
Eu vou te contar uma coisa que talvez seja dolorosa de ouvir, talvez até mesmo te machuque: sim, os moleques da sua idade, a maioria deles, vão se gabar por terem se relacionado sexualmente com você. Mas os mais velhos também vão fazer isso. A diferença é que eles não vão deixar você perceber que é só uma peça no quebra-cabeça masculinista deles.
Mas, voltando à nós…
Como a gente fica separada uma da outra, não conseguimos nos ver como companheiras. Pensando que somos rivais umas das outras, sempre na necessidade de competir pelos homens, não conversamos francamente sobre o que estamos sentindo, sobre o que se passa conosco. Nós nem conseguimos entender o que está se passando conosco. A gente realmente acha que está tudo bem e que simplesmente somos garotas diferentes. A gente mal sabe quantas de nossas amigas (pode ter certeza que foram muitas) foram tornadas “garotas diferentes”. Quando conseguimos romper com esse mito da rivalidade e falamos com nossas amigas sobre nossas realidades, já tivemos nossos pensamentos tão colonizados que ficamos todas achando que essa situação é comum — e de fato é — e, por ser comum, tratamos como se fosse normal. Não é normal.
As pessoas falam como se a política do conservadorismo sexual e a libertação sexual — o que comumente se entende como libertação sexual — fossem coisas dicotômicas, opostas. E não percebem que na fusão dessas duas diferentes culturas do estupro é onde estão nos enfiando. Ambas são maneiras de controlar nossos corpos. Uma delas não permitindo que a gente transe quando quer, como quer. A outra, idem. Na cultura da “libertação sexual” a gente transa quando eles querem, como eles querem. Algumas correntes feministas, alguns espaços libertários, nós mesmas quando nos achamos muito modernas, acabamos vendo essa questão de maneira muito superficial, como se o contrário do conservadorismo sexual significasse que todo tipo de sexo, não importando as relações de poder envolvidas nele, é aceitável. Aprendemos que toda sexualidade é uma forma de empoderamento. Não conseguimos perceber que estamos sendo coagidas a participarmos de práticas que não desejamos, mas deixamos. Não conseguimos perceber que muitas vezes permitimos que façam coisas com os nossos corpos porque simplesmente parece legal, moderno ou é o que todo mundo faz. Transamos mesmo quando não temos vontade por medo de parecermos caretas. Aprendemos que, em tempos tão modernos, ser descolada é dizer sempre sim. Que dizer não é puritanismo. Que se um cara é legal, nós temos que retribuir sexualmente. Aprendemos que nossos corpos servem como uma moeda de troca para recebermos elogio, carinho, qualquer coisa — esse é o valor que dizem que nós temos.
Eu não estou falando disso para dizer que se tivéssemos individualmente consciência dessas coisas a gente estaria a salvo desse tipo de violência. Eu não acho que existe algo que individualmente eu poderia ter feito para simplesmente evitar que homens tivessem agredido meu corpo. O problema não foi eu não ter me protegido suficientemente, mas eles serem um saco de merda. Só que eu acredito em redução de danos e acredito que se coletivamente nós tomarmos consciência da nossa condição enquanto mulher, que perpassa individualidades, nós podemos aprender a nos protegermos juntas dessas violências, desestruturá-las, desestabilizá-las. É preciso analisar o patriarcado e seus mecanismos para poder destruí-lo. E analisar o quanto nossos corpos foram colonizados e agredidos e violados é uma das maneiras de fazer isso, apesar de ser um processo dolorido. No meio desse caminho, enquanto vamos aprendendo e combatendo juntas as estratégias do patriarcado, podemos começar a ter um olhar mais crítico e sermos menos enganadas por esses raciocínios. Não é a solução inteira, mas é um passo essencial. A partir disso é que começamos a enxergar a necessidade da união do coletivo das mulheres.
Eu não quero focar esse texto em falar só sobre sexo, e espero não estar fazendo isso. Porque, acho que nessa altura do texto já é possível perceber isso, existe uma violência primeira que faz nós acharmos essa violência sexual algo agradável, algo que por vezes cremos estar consentindo. Será mesmo? Eu falei sobre algumas dessas coisas e agora quero tentar analisá-las a partir daquilo que se chama de etarismo. Nesse momento, é uma categoria de análise útil.
Etarismo tem a ver com uma autoridade que é conferida a alguém a partir da idade que aquela pessoa tem.
Uma das coisas que aprendemos é a respeitar as pessoas por serem mais velhas. Existe uma autoridade que se dá através da idade. Eu não gosto de constituir “etarismo” como um vetor de opressão que possa se equivaler a outras formas de opressão que vivenciamos. Mas acho necessário reconhecermos que há uma diferenciação na experiência vivida por crianças, adolescentes e adultos. E por mulheres e homens. E por mulheres crianças ou adolescentes e homens adultos. Essa diferenciação na experiência é uma das coisas que torna problemática essa relação, e ao mesmo tempo é através desse mecanismo que naturalizam. Esses homens mais velhos que passam a fazer parte das nossas vidas afetivo-sexualmente frequentemente tem um poder de retórica, argumentação e convencimento muito maior do que o nosso. Eles nos manipulam emocionalmente para que nós fiquemos reféns de suas vontades, sempre com um sentimento de gratidão e de quem é devedora de algo. Eles, por serem mais velhos e mais “vividos”, passam a exercer uma autoridade que influencia diretamente em nossas decisões — já ouvi diversas histórias de meninas adolescentes que escolheram a faculdade ou emprego baseando-se na opinião do namorado; ou as que foram convencidas a casar precocemente e engravidar mais precocemente ainda porque já estava “no momento” disso acontecer na vida do cara; posso citar ainda as que foram convencidas a transar sem camisinha porque era mais prazeroso, e a experiência do cara dizia isso, e engravidaram sem desejar ou contraíram alguma DST.
“Mas eu duvido que ele só queira me comer”
Na maioria das vezes é só isso que ele quer. Principalmente se ele for seu professor, se ele for um homem comprometido, se ele for um cara que tem uma banda e viaja, se ele for um estudante universitário. É sim, provável, que a única coisa que ele deseje com você seja uma relação sexual sem qualquer compromisso mais sério e que seja simplesmente para a satisfação dele mesmo. Mas, ok, talvez ele deseje algo a mais. E esse algo a mais, minha amiga, não se engane, não é uma coisa positiva.
“Mas e se eu só quiser sexo, também?”
Isso é muito recorrente quando eu converso com meninas sobre esse assunto. Elas pensam que não há problema algum no cara simplesmente querer transar e descartá-las se elas quiserem o mesmo. Que se elas não estiverem esperando nada a mais, não a risco nenhum de se machucar. Isso é muito complicado porque tenta criar um cenário onde meninas, e mais ainda, meninas tão jovens, tem de fato uma autonomia total no que acontece em suas relações com os caras e, principalmente, caras mais velhos. Não leva em conta que nossa subjetividade é socialmente construída em torno da retirada da nossa auto-estima e que os homens tem esse poder coletivo — e que se transfere para o individual — de nos colocar em situação de vulnerabilidade. Muitas vezes, por mais que ele queira somente transar com você, e você queira o mesmo, ele vai criar uma situação de vulnerabilidade emocional para que você passe a se sentir dependente afetivamente dele. É um jogo divertido para o ego masculino, e nesse jogo você não tem as condições necessárias para decidir as regras.
E se ele quiser algo a mais?
Esse algo a mais pode significar um relacionamento em que ele vai controlar, para além do seu corpo, o resto da sua vida e decisões pessoais. Esse algo a mais pode significar que, ainda que você se canse, caso ele queira continuar esse relacionamento, você ficará condicionada a ele.No final das contas, nunca é sobre o que você quer. É sempre sobre o que ele quer. Foge disso, amiga. Texto escrito por Julia Bastos que, infelizmente, removeu seu blog do ar.
Eu tinha 15 anos e ele tinha 28. Eu tinha saído da igreja há poucos meses. Gostava de literatura francesa e de conversar sobre movimentos sociais. Ele era formado. Formado em Letras, professor de literatura e francês. Tudo que ele falava me encantava. Ele disse que queria sair comigo porque me achava madura para minha idade. Eu achava demais: era como se ficar com ele fosse um prêmio por minha inteligência, por eu me destacar das “garotas comuns”. Não conseguia perceber que o amadurecimento do qual ele estava falando era uma marcação dos corpos: ele queria dizer que meu corpo era adulto o suficiente para ele me foder sem culpa.
Eu sei que ler isso talvez vá te chocar. Talvez você esteja passando por essa situação. Um professor do seu colegial ou cursinho, o irmão mais velho de alguma amiga, um desses caras de bandas que parecem interessantíssimos e super desejados está te paquerando. Ele disse que você é diferente. Que você é inteligente. Que você não parece ter a idade que tem. Ele te faz sentir-se madura, adulta. Você chega a acreditar que é realmente isso tudo que ele diz: uma garota fora do comum. Depois, talvez — não sei se eles ainda fazem isso — ele emula algum tipo de culpa, como: oh, mas isso pode dar problema, você é menor de idade. E você garante que não. Você promete pra ele que não vai contar pra ninguém, que seus pais não vão descobrir, que você sabe o que está fazendo. Minha querida, por favor, me ouça: você não sabe o que está fazendo. E talvez você demore alguns anos para descobrir. É certo que podemos aprender com nossos erros, que erros trazem experiências, mas algumas experiências ruins e abusivas, que podem parecer legais num primeiro instante, você pode evitar. Você não precisa comer merda pra saber que é ruim. Eu sei que possivelmente você não vá conversar com sua mãe ou seu pai sobre isso, então eu tenho a esperança de que talvez você ouça uma menina que passa pelas mesmas coisas que você.
Existe uma estratégia masculina muito comum que é tentar separar a nossa realidade da das outras mulheres, na nossa cabeça. Criar mecanismos que nos tornem rivais para que a gente não perceba o quanto nossas experiências são comuns — de umas às das outras — e o quanto somos parecidas em nossa socialização, em nosso crescimento e, principalmente, nas experiências que dizem respeito aos nossos corpos. Nos ensinam que as garotas não são legais, então quando nós somos “diferentes delas” isso se torna um elogio sem igual, que cria em nós um sentimento de destaque, de diferenciação; nós somos o floco de neve especial, é o que pensamos, é o que eles fazem a gente pensar.
E eles são demais. Eles são demais e só nos querem porque somos também demais. Uma menina tão madura assim não merece qualquer moleque. Ela merece UM HOMEM. Um homem de verdade, sabe? Um homem que tenha a mesma maturidade que você. Você ouviu dizer desde sempre que meninas amadurecem mais rápido. Então, para que não se sintam desconfortáveis em estar com um menino imaturo, a solução é estar com um cara mais velho. Assim vocês poderão ter conversas de igual pra igual. Olha, isso também é mentira. Meninos da sua idade não são imaturos, eles só falam coisas imbecis e que não tem nada a ver com a sua realidade enquanto mulher. É horrível, mas não é sobre “maturidade”. Muito possivelmente vocês tem a mesma “maturidade”, mas com a diferença de que meninas recebem muito mais responsabilidades nas costas do que meninos. O único motivo pelo qual esses caras mais velhos dizem que você é tão madura quanto eles é para que você não perceba que eles querem te comer exatamente porque você não é madura. A única maturidade que eles enxergam em você é a sexual. Isso faz parte de uma política da heterossexualidade: mulheres devem ficar com homens. E homens são maduros. Homens são inteligentes. Homens de verdade — não esses moleques imaturos!, tem experiência sexual o suficiente para que, é claro, não queiram nos comer só para se gabarem por aí pelo cabaço perdido.
Eu vou te contar uma coisa que talvez seja dolorosa de ouvir, talvez até mesmo te machuque: sim, os moleques da sua idade, a maioria deles, vão se gabar por terem se relacionado sexualmente com você. Mas os mais velhos também vão fazer isso. A diferença é que eles não vão deixar você perceber que é só uma peça no quebra-cabeça masculinista deles.
Mas, voltando à nós…
Como a gente fica separada uma da outra, não conseguimos nos ver como companheiras. Pensando que somos rivais umas das outras, sempre na necessidade de competir pelos homens, não conversamos francamente sobre o que estamos sentindo, sobre o que se passa conosco. Nós nem conseguimos entender o que está se passando conosco. A gente realmente acha que está tudo bem e que simplesmente somos garotas diferentes. A gente mal sabe quantas de nossas amigas (pode ter certeza que foram muitas) foram tornadas “garotas diferentes”. Quando conseguimos romper com esse mito da rivalidade e falamos com nossas amigas sobre nossas realidades, já tivemos nossos pensamentos tão colonizados que ficamos todas achando que essa situação é comum — e de fato é — e, por ser comum, tratamos como se fosse normal. Não é normal.
As pessoas falam como se a política do conservadorismo sexual e a libertação sexual — o que comumente se entende como libertação sexual — fossem coisas dicotômicas, opostas. E não percebem que na fusão dessas duas diferentes culturas do estupro é onde estão nos enfiando. Ambas são maneiras de controlar nossos corpos. Uma delas não permitindo que a gente transe quando quer, como quer. A outra, idem. Na cultura da “libertação sexual” a gente transa quando eles querem, como eles querem. Algumas correntes feministas, alguns espaços libertários, nós mesmas quando nos achamos muito modernas, acabamos vendo essa questão de maneira muito superficial, como se o contrário do conservadorismo sexual significasse que todo tipo de sexo, não importando as relações de poder envolvidas nele, é aceitável. Aprendemos que toda sexualidade é uma forma de empoderamento. Não conseguimos perceber que estamos sendo coagidas a participarmos de práticas que não desejamos, mas deixamos. Não conseguimos perceber que muitas vezes permitimos que façam coisas com os nossos corpos porque simplesmente parece legal, moderno ou é o que todo mundo faz. Transamos mesmo quando não temos vontade por medo de parecermos caretas. Aprendemos que, em tempos tão modernos, ser descolada é dizer sempre sim. Que dizer não é puritanismo. Que se um cara é legal, nós temos que retribuir sexualmente. Aprendemos que nossos corpos servem como uma moeda de troca para recebermos elogio, carinho, qualquer coisa — esse é o valor que dizem que nós temos.
Eu não estou falando disso para dizer que se tivéssemos individualmente consciência dessas coisas a gente estaria a salvo desse tipo de violência. Eu não acho que existe algo que individualmente eu poderia ter feito para simplesmente evitar que homens tivessem agredido meu corpo. O problema não foi eu não ter me protegido suficientemente, mas eles serem um saco de merda. Só que eu acredito em redução de danos e acredito que se coletivamente nós tomarmos consciência da nossa condição enquanto mulher, que perpassa individualidades, nós podemos aprender a nos protegermos juntas dessas violências, desestruturá-las, desestabilizá-las. É preciso analisar o patriarcado e seus mecanismos para poder destruí-lo. E analisar o quanto nossos corpos foram colonizados e agredidos e violados é uma das maneiras de fazer isso, apesar de ser um processo dolorido. No meio desse caminho, enquanto vamos aprendendo e combatendo juntas as estratégias do patriarcado, podemos começar a ter um olhar mais crítico e sermos menos enganadas por esses raciocínios. Não é a solução inteira, mas é um passo essencial. A partir disso é que começamos a enxergar a necessidade da união do coletivo das mulheres.
Eu não quero focar esse texto em falar só sobre sexo, e espero não estar fazendo isso. Porque, acho que nessa altura do texto já é possível perceber isso, existe uma violência primeira que faz nós acharmos essa violência sexual algo agradável, algo que por vezes cremos estar consentindo. Será mesmo? Eu falei sobre algumas dessas coisas e agora quero tentar analisá-las a partir daquilo que se chama de etarismo. Nesse momento, é uma categoria de análise útil.
Etarismo tem a ver com uma autoridade que é conferida a alguém a partir da idade que aquela pessoa tem.
Uma das coisas que aprendemos é a respeitar as pessoas por serem mais velhas. Existe uma autoridade que se dá através da idade. Eu não gosto de constituir “etarismo” como um vetor de opressão que possa se equivaler a outras formas de opressão que vivenciamos. Mas acho necessário reconhecermos que há uma diferenciação na experiência vivida por crianças, adolescentes e adultos. E por mulheres e homens. E por mulheres crianças ou adolescentes e homens adultos. Essa diferenciação na experiência é uma das coisas que torna problemática essa relação, e ao mesmo tempo é através desse mecanismo que naturalizam. Esses homens mais velhos que passam a fazer parte das nossas vidas afetivo-sexualmente frequentemente tem um poder de retórica, argumentação e convencimento muito maior do que o nosso. Eles nos manipulam emocionalmente para que nós fiquemos reféns de suas vontades, sempre com um sentimento de gratidão e de quem é devedora de algo. Eles, por serem mais velhos e mais “vividos”, passam a exercer uma autoridade que influencia diretamente em nossas decisões — já ouvi diversas histórias de meninas adolescentes que escolheram a faculdade ou emprego baseando-se na opinião do namorado; ou as que foram convencidas a casar precocemente e engravidar mais precocemente ainda porque já estava “no momento” disso acontecer na vida do cara; posso citar ainda as que foram convencidas a transar sem camisinha porque era mais prazeroso, e a experiência do cara dizia isso, e engravidaram sem desejar ou contraíram alguma DST.
“Mas eu duvido que ele só queira me comer”
Na maioria das vezes é só isso que ele quer. Principalmente se ele for seu professor, se ele for um homem comprometido, se ele for um cara que tem uma banda e viaja, se ele for um estudante universitário. É sim, provável, que a única coisa que ele deseje com você seja uma relação sexual sem qualquer compromisso mais sério e que seja simplesmente para a satisfação dele mesmo. Mas, ok, talvez ele deseje algo a mais. E esse algo a mais, minha amiga, não se engane, não é uma coisa positiva.
“Mas e se eu só quiser sexo, também?”
Isso é muito recorrente quando eu converso com meninas sobre esse assunto. Elas pensam que não há problema algum no cara simplesmente querer transar e descartá-las se elas quiserem o mesmo. Que se elas não estiverem esperando nada a mais, não a risco nenhum de se machucar. Isso é muito complicado porque tenta criar um cenário onde meninas, e mais ainda, meninas tão jovens, tem de fato uma autonomia total no que acontece em suas relações com os caras e, principalmente, caras mais velhos. Não leva em conta que nossa subjetividade é socialmente construída em torno da retirada da nossa auto-estima e que os homens tem esse poder coletivo — e que se transfere para o individual — de nos colocar em situação de vulnerabilidade. Muitas vezes, por mais que ele queira somente transar com você, e você queira o mesmo, ele vai criar uma situação de vulnerabilidade emocional para que você passe a se sentir dependente afetivamente dele. É um jogo divertido para o ego masculino, e nesse jogo você não tem as condições necessárias para decidir as regras.
E se ele quiser algo a mais?
Esse algo a mais pode significar um relacionamento em que ele vai controlar, para além do seu corpo, o resto da sua vida e decisões pessoais. Esse algo a mais pode significar que, ainda que você se canse, caso ele queira continuar esse relacionamento, você ficará condicionada a ele.No final das contas, nunca é sobre o que você quer. É sempre sobre o que ele quer. Foge disso, amiga.